A Política das Mulheres – 1º Edição

A roda de conversa de 4 de setembro

De Hipátia de Alexandria à execução da defensora dos Direitos Humanos, Marielle Franco, milhares de mulheres foram hostilizadas nas fogueiras da inquisição, nas senzalas, nas fábricas da revolução industrial, nas guerras, nos campos de concentração, nos quartéis sombrios da ditadura, em suas comunidades, ou em suas próprias casas, simplesmente por buscarem a liberdade de pensamento e novos modos de vida.

O eco desse grito milenar que ressoa sobre nas nossas cabeças, foi repercutido com intensidade,na roda de conversa do dia 4 de setembro, por Lia Capovilla – mediadora, Juçara Braga – jornalista, Gabriella Gouveia – advogada, Grazzielle Zacaro – engª Florestal e produtora Rural, Ladjane Silva – diretora da Cooperativa Serra do Mar, Claudia Ribeiro – atriz e cantora e Ivanildes Pereira da Silva (Kerexu) – líder indígena. Clamando para que ‘a  Política das Mulheres’ possa, definitivamente,  ‘ALCANÇAR A IGUALDADE DE GÊNERO E EMPODERAR TODAS AS MULHERES E MENINAS’, prevista no
5º Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 , da Agenda 2030 do PNUMA.

Ivanildes Kerexu – Ivanildes, que é da aldeia de Rio Bonito em Ubatuba, falou sobre a cultura do seu povo que, em primeiro lugar, homens e mulheres empreendem uma luta e ações pelo coletivo e que a força da mulher aumenta com o nascimento dos filhos e que na educação da mulher indígena ela fala nunca se deve gritar, tem sempre que ouvir o outro, esperar que o outro termine para tomar a fala. Porém, observou que também, de tempos para cá, especialmente após a interferência do homem branco com a introdução da bebida alcoólica passou a existir casos de agressão à mulher. Nesses casos, afirmou, o conselho, do qual faz parte, tenta resolver a questão internamente, mas, quando o agressor não acata essa autoridade, eles buscam apoio na justiça externa, fundamentados na Lei Maria da Penha.

Gabriella Gouveia – Citando o depoimento de Ivanildes Pereira, falou que, como advogada, conhece as leis, mas tem muita vontade de aprender com ela e seu povo, e deixou a possibilidade de fazer uma palestra na aldeia. Comentou que em diversos casos a mulher nem sabe nem tem consciência do que é agressão e quando é agredida moralmente, é vencida pela vergonha e, quando vai a uma delegacia, é desestimulada por policiais, geralmente homens a registrar ocorrência. Falou dos trabalhos que vem desenvolvendo no combate à violência contra a mulher com um processo educativo que deve mostrar como se dá e o que é agressão, observando que ela própria já sofreu diversas agressões não físicas em situações de contrato de trabalho em que colocaram em dúvida a sua capacidade profissional por ser mulher. Falou ainda do projeto da OAB Mulher, a ‘Patrulha Maria da Penha’ – campanha Sinal Vermelho, que pretende implementar em Paraty, com o qual a mulher agredida alerta os atendentes do comércio, para ligarem imediatamente para a polícia. Por fim, disse que ela própria, devido às pressões já pensou em desistir desses trabalhos, mas se sente amparada e estimulada por ações como esse debate.

Juçara Braga – Disse que constata que muita coisa mudou, mas ainda existe um longo caminho a percorrer, que a situação já foi pior, mas hoje a mulher está com mais voz, existem mais canais de denúncia, como a Lei Maria da Penha. Contudo, citando dados de recente pesquisa – que mostra que 97% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio, no transporte público, no trabalho, disse que, hoje, grande parte das meninas já sabem o que fazer, mas ainda se tem um grande caminho a percorrer, pois não basta uma lei, compreensão, pois é necessário urgentemente mudar a estrutura da sociedade na base, na Educação de base, para não termos mais tais problemas. Comentou que a formação para mudar isso tem que vir da escola, porque a família que existe hoje, que forma essa criança, ainda tem muito desse ranço. Para ela, a educação sexual e reprodutiva tem que ser colocada como item de primeira necessidade na escola para transformar o que temos de homem e mulher, com suas diferenças que devem ser valorizados mas colocadas no patamar humano – “a questão de ser humano tem que ser amplamente definida como base educacional para que esse homem que hoje é agressor não seja o parâmetro para o homem de amanhã e que este compreenda que o humano dele e o da mulher são iguais” – foco da agenda da ONU, assinada por 193 países, incluindo o Brasil.

Claudia Ribeiro – Disse que o simples fato de ser mulher preta, nordestina e estar fazendo arte na região sudeste, existindo, resistindo já é um ato político e que traz essa temática sempre nos estudos pessoais e em três monólogos:  “Um Buraco”, de sua autoria e concepção, fruto do estudo que fez com duas atrizes sobre o texto “Os monólogos da vagina”, de Eve Ensler, “A moça tecelã”, de Marina Colassanti, e o monólogo performático “Memórias da pele”, de Elisa Pereira.
Acrescentou que com a peça “Constância”, fruto de estudos do APA- Ateliê de Pesquisa do Ator do SESC Paraty, se encaminhou para a visão da sua ancestralidade percebendo que precisava se ligar no caminho para conseguir destacar no trabalho a presença, a existência, a origem nordestina, sertaneja, a mistura africana, indígena e de todas as outras dos processos da nossa existência até aqui.
Observou que “sempre querem nos diminuir, nos encolher e não é fácil institucionalmente para a mulher, preta, artista, que não é respeitada com esse tipo de trabalho”, que não é só dela, mas de muitos artistas, que vêm com o protesto, com as lutas, etc, mas acredita que só se vence essa batalha se impondo com toda a sua criatividade, ousadia e dignidade e que o corpo da mulher precisa ser da mulher e ela faz a sua parte, porque se sente dona do próprio corpo, se apropria a sua voz, da musculatura, da estrutura óssea, das potencialidades da educação, da cultura, da arte com toda a fome de mundo e a força da mulher, que pode se transformar no que quiser.

Ladjane Silva – Falou,que quando chegou em Angra com o projeto de coleta de óleo e também por ser mãe e solteira, sentiu olhares e atitudes discriminatórios, mas empoderou-se com aforça e gana do povo nordestino – suas origens – e o projeto iniciado em 2011 deu certo e, hoje, existem os Eco Pontos em escolas e estabelecimentos comerciais, cujos resultados geram recursos para o município, através do ICMS Verde.

Sobre o seu dia a dia respondeu é que é mãe solteira, tem que cuidar do trabalho e da casa, que é uma situação complicada, mas se diz feliz, tendo que se desdobrar entre o trabalho e a parte de cuidados com o filho adolescente de 15 anos. Em relação à educação, disse que tenta educá-lo para transformá-lo em um homem que repeite as mulheres, na mesma proporção e intensidade que a respeita.

Citou um episódio de choque, quando o adolescente ouvia uma música de duplo sentido (funk), cuja letra deprecia a mulher e disse que iria dançar um pouco em frente à porta da rua para se divertir. Ao que ele retrucou que ela não podia fazer isso porque era a mãe dele. E ela devolveu: “Então você tem que rever os seus conceitos, se não pode a sua mãe, tem que respeitar todas”.  Disse que tenta mostrar essas coisas a respeito da mulher, sua essência porque sem as mulheres ele não teria vindo ao mundo; tem que exigir que ele valorize-as, e que está formando um homem para outras mulheres e quer que ele as trate com respeito e igualdade.

Gazzielle Zacaro – Disse que está faltando a palavra respeito, que é transversal, não só o respeito à mulher, mas respeito à criança, ao idoso, às raças, diferentes etnias, culturas, religiões – falta respeito em todo lugar, a gente precisa de educação formal nas escolas, mas não é só isso, é a palavra respeito para o ser humano. Disse que, quando menina, em Paraty, se preocupava com as derrubadas de florestas, queimadas e desmatamentos fatores que a levaram a fazer faculdade  de Engenharia Florestal e, quando voltou, o objetivo maior era trabalhar em Paraty, defender o lugar, “curar as nossas florestas”. Começou a trabalhar na região e foi percebendo que não é a floresta, a natureza que precisa de ajuda, que ela não está doente, ela tem poder de resiliência altíssimo, mas quem está doente é a humanidade.

Ressaltou a importância de se trabalhar dentro de um grupo, embora observe que é difícil o acolhimento até dentro da própria família, do próprio trabalho; que vem aprendendo com as forças da natureza e que todas as mulheres todos os homens precisam ser acolhidos, ouvidos, trabalhados desde criança; que o modelo e os parâmetros da sociedade precisam ser revistos, mostrar a direção até para adultos e que precisamos tomar cuidado para que a coisa da força feminina não seja um embate contra força masculina, pois o impulso do respeito tem que ser espalhado por todo canto não só na escola, mas na família. Ela vê forças nas coisas e forças femininas e masculinas dentro do ser humano, independente do gênero – hoje existem outros gêneros, além do masculino e feminino – e a relação mulher e homem precisa ser equilibrada, com os mesmos direitos e deveres para a existência de uma vida social harmônica

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