Memórias dos 360 Anos do Caminho D’Ouro

“Porque Paraty é a cidade onde os caminhos do mar e os caminhos da terra se encontram, ou melhor, se entrosam” (Lúcio Costa);
“É sempre pelos caminhos que Paraty se salva e se perde.” (José Gerardo Barreto Borges);

A partir da inquietação de guias turísticos, liderados por João Bee, Amaury Barbosa, entre outros, que queriam levar o paratiense a conhecer Paraty, redescobriu-se o Caminho do Ouro, com sua importância histórica, milenar, utilizado por indígenas que moravam na grande oca na região do Vale do Paraíba e com provas de utilização por caçadores há mais de 8 mil anos, mas desconhecido do nativo contemporâneo, por onde trafegou o ouro, emergindo a importância da cachaça, da gastronomia, da cultura local, sendo um dos principais responsáveis pela economia do país naquele período, mudando as relações mercantis econômicas com a Europa.

Essa  foi a tônica da roda de conversa “360 anos do caminho do Ouro, Cachaça e Gastronomia” em 14/08, com participação de Nena Gama ( Secretária de Turismo de Paraty), João Bee (idealizador do Projeto de Revitalização do Caminho do Ouro – Na Trilha da História), Amaury Barbosa (Presidente IHAP), Domingos Oliveira (editor do Flitoral) com mediação de Lia Capovilla (diretora Núcleo Paraty), com vistas à realização do Festival da Cachaça, Cultura e Sabores de Paraty.

Roda de conversa e considerações

Lia Capovilla abriu a roda de conversa, agradecendo a participação de todos e ao Domingos Oliveira pela janela aberta para um bate-papo pelas memórias de Paraty, lembrando que o Flitoral (Folha do Litoral Costa Verde) quer fazer um programa semanal, através do seu canal no YouTube, o que acha genial, remetendo-se ao formato do “Comunique-se”, da Eco TV, aliviando a saudade, salientando que é necessário divulgar esse bate-papos para as pessoas ouvirem, interagirem e comentarem, uma vez que, ao seu ver, os projetos e as políticas públicas só avançarão com a integração entre o poder público e a sociedade.

Domingos Oliveira, através de uma apresentação, fez um apanhado de memórias históricas (iniciadas com a EcoTV e registradas pelo Flitoral) das articulações que resultaram na criação do Fórum DLIS e Agenda 21 de Paraty, proporcionando a concretização dos projetos Caminho do Ouro, da Cachaça e do Agroecoturismo que, mais tarde virou Gastronomia Sustentável. “É nos caminhos é que Paraty se acha e se perde…”, “onde toda a gastronomia e a cultura trafegam”. com esta frase, Oliveira levantou a necessidade da urgente (re)retomada do Caminho do Ouro, que está abandonado, da revitalização dos marcos e da criação de uma moeda local, com seu lastro alicerçado nos recursos naturais, no ciclo do ouro e na agregação de valores culturais da região.

João Bee falou das caminhadas entre os anos 1970/80, da construção de um centro excursionista em busca de descobrir locais que estavam desconhecidos, esquecidos da memória do Paraty, para levar o paratiense a conhecer seu território e as comunidades locais, onde viam “coisas” importantes, como o Caminho do Ouro, a ausência de moradores na região e o sonho de “um dia vamos revitalizar os caminhos que não podem ficar perdidos. Ressaltou o apoio da Maria Auxiliadora, citou o primeiro curso de Guias de Paraty. A partir daí, apresentou um projeto estruturado, conseguiram o financiamento pelo Sebrae Nacional. Disse que, ao final da concretização, o projeto (elaborado por paratienses, com a participação de uma arqueóloga – a única pessoa de fora), foi entregue para a guarda do IPHAN. Lamentou o abandonado do mesmo, do Centro de Visitantes, um complexo arqueológico, salientando que hoje não se sabe onde se encontram as peças da mini exposição.

Amaury Barbosa considerou primordiais as homenagens a Maria Auxiliadora, o reconhecimento da ideia de João Bee de abrir a história de Paraty sobre a importância do Caminho do Ouro. Disse que inicialmente criaram uma sub-seção do Sindicato de Guias do Estado do Rio de Janeiro, cuja coligação durou uns 5 a 6 anos. Fez um breve relato sobre a primeira reunião, no Silo Cultural para abrir a discussão sobre o tema e traçou um histórico consistente sobre os projetos de Revitalização do Caminho do Ouro – Na trilha da História, do Sítio Ecológico d o Caminho do Ouro de Marcos Ribas e do projeto de educação ambiental iniciado com Nena Gama no CIEP 999 – Dom Pedro I.

Salientou que escolha do Caminho do Ouro virou o foco do pleito, devido ao seu valor universal representando o tráfego do ouro das Minas Gerais (1695) para a Europa e suas consequências, mudando relações mercantis e gerando um movimento comercial para economia do país, alargando as suas fronteiras protagonistas aventureiros portugueses, os mamelucos e os escravizados (fronteiras estas limitadas com o Tratado de Tordesilhas – séc. XV, entre Espanha e Portugal, por ordem do Papa) e, agora, desacatando essa ordem, as fronteiras foram revistas e reconhecidas com o Tratado de Madri (1750) dividindo as terras da América do Sul. Isso elevou Paraty a segundo porto do país. Disse ainda que esse ouro financiou a Revolução Industrial da Inglaterra, colocando Paraty no centro e que esse caminho foi um fator de desenvolvimento não só com o ouro, mas com a cachaça, o café e por onde também chegou a filosofia e a moda para o interior do Brasil, também levando os escravizados a migrarem para outras  “Minas Gerais”.

Disse que em 1983 surgiu a primeira ideia de se fazer a tentativa para inscrever Paraty na lista do Patrimônio Mundial – UNESCO, iniciativa de Tereza e Tom Maia (fundadores do Instituto Histórico e Artístico de Paraty – Tereza foi a primeira presidente do instituto). Nesse dossiê foi colocada a importância e o valor cultural do Centro Histórico de Paraty como zona principal. Contudo, a Unesco  já não aceitava centros históricos brasileiros para tombamento, pois já haviam vários outros. Desta forma, por outros motivos, essa ideia foi deixada de lado, não sendo encaminhada corretamente. Lembrou que, em 2000, no último programa ‘Comunique-se’, da ECO TV, aconteceu uma mesa de debate sobre o tema, mediado por Lia Capovilla ,com a presença do então prefeito Benedito Mello- Dedé, João Gerônimo – COMTUR, Amaury Barbosa- IHAP , Domingos Oliveira – COMAMP, Ney França – APA Cairuçu, Izabele Cury – IPHAN, Mauro Munhuz – Arquiteto.

Pontuou os pleitos: em 2002 o prefeito José Cláudio de Araújo constitui o Comitê Executivo pró-UNESCO e o Comitê Popular pró Sítio do Patrimônio Mundial; No final de 2003 um primeiro trabalho enviado com o título de Caminho do Ouro em Paraty – sua Paisagem, defendido pela representante do ICOMOS (Brasil) – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, dra. Suzana Sampaio na reunião anual da Unesco, no Japão, que, por engano, classificou o Caminho do Ouro como itinerário; Em 2007 enviou-se o projeto ao Centro de Patrimônio Mundial, em Paris, já completo com Plano de Gestão com o mesmo tema; Em 2008, a comitiva da Unesco, liderada pela especialista em itinerários do ICOMOS, Maria Cecília Calderon, foi a Paraty vistoriar o sítio (o Caminho do Ouro), levando posteriormente suas considerações à reunião da Unesco, em Servilha – 2009, quando o dossiê foi apresentado oficialmente.  Apesar de apreciou a tese, considerou o dossiê insuficiente como itinerário, já que não contemplava o percurso até Diamantina (MG). Isso foi rebatido pela UICN – União Internacional para Conservação da Natureza, realçando o valor da proposta, mas sugerindo que se trabalhasse melhor a parte ambiental.

Observou que várias tentativas foram feitas em 2011, 2013, mas pediam alterações; em 2014 mais um com o foco na Baía de Paraty; em 2017 surge a ideia de patrimônio misto – Patrimônio Cultura Viva, por ter boa parte da  a  Mata Atlântica – reserva ambiental, a Reserva Ecológica da Joatinga, que virou  APA do Cairuçu e, em grande parte na Mata Atlântica tem as comunidades tradicionais caiçaras,  duas aldeias indígenas e Quilombo do Campinho – cultura viva. Reforçou que foi essa concepção que aprovou o título de Paraty e Ilha Grande Patrimônio da Humanidade, Cultura e Biodiversidade, mas estranha o fato do título não ter sido entregue até o momento.

Nena Gama remeteu-se  às considerações de João Bee e Amaury Barbosa, relatando que seu pai não conhecia o Mamanguá nem diversas praias e locais de Paraty. . Ressaltou a importância da comunicação da memória e registros do Flitoral e da participação da sociedade nos temas de interesses comuns, citados por Domingos Oliveira. Falou da importância da educação ambiental que desenvolveu no CIEP 999 – Dom Pedro I , qualificando o ensino como oportunidade para muitas pessoas, quando foi diretora, movida pela Constituição de 1988; que se desligou do magistério para desenvolver o projeto da Eco TV, junto com Lia Capovilla.

Disse que com a crise do Covid-19, tudo é assustador e Paraty, que é movida pelo turismo foi afetada em cheio, incluindo aí o seu trabalho como Secretária Municipal de Cultura, há oito meses, impedida pela pandemia de executar os diversos projetos desenvolvidos para a gestão. Disse que existe um Plano de Ação a ser executado, projetos para toda Paraty, envolvendo todas as áreas, desde a sinalização do município no padrão de cidade Patrimônio da UNESCO, todos os atrativos turísticos na região natural, marítima, Centro Histórico; que todos os atrativos deverão ser identificados, como devem, como merece uma história com tal título; o Caminho do Ouro com tudo que tinha ali, projetos para aquela região como centro de interpretação de patrimônio além de vários outros, como a Santa Casa e diversos outros projetos, “de mangue a mangue” – do Matheus Nunes ao Jabaquara, toda orla; revitalização dos calçamentos.

Observou que são muitos projetos e nada se faz de forma instantânea, que é preciso o envolvimento da população, a organização da sociedade e que um dos projetos (exigidos pelo comitê do Patrimônio Mundial) é o dos caminhos de Serra e Mar – mapeamento de todas as trilhas que existem, percorrendo as unidades de conservação, passando tanto pela região marítima quanto pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina, com toda a identificação das comunidades com seus valores,  formação para os moradores, para jovens, mas que a pandemia do Covid-19 deu trava geral e, hoje, o ritmo é outro. Falou do Festival da Cachaça, em parceria com Núcleo de Mídias, Apacap, Secretaria de Turismo, Secretaria de Cultura, engenhos, alambiques, num formato que fica o registro histórico.

Por fim, ressaltou o trabalho de José Pedro Costa e sua resiliência, a articulação Agenda 21 do Instituto Histórico e Artístico de Paraty desde o começo, associações e poder público, em especial do governo Carlos José Gama Miranda, Cazé, que dedicou firmeza, disposição e investimentos para a concretização desses trabalhos, bem como a dedicação de Cristina Maseda, como secretária de Cultura.

Por razões técnicas, o historiador Diunner Melo não pode participar da roda de conversa, mas, foi exibido um vídeo em que responde ao Flitoral à pergunta – Paraty é nossa cachaça e nossa cachaça é Paraty? Ele respondeu – “A cachaça está extremamente ligada à história de Paraty, inclusive no nome – parati é sinônimo de cachaça. Interessante é que a história de Paraty se mescla e se resolve com o Caminho do Ouro, com a Cachaça e com a Gastronomia, da seguinte forma: são as rotas, os seus caminhos que levam cultura, conhecimento, saberes e fazeres, de um lado para o outro e traz também informações. Então isto resume bem a história de Paraty. Subimos a serra levando cachaça, feijão, farofa de feijão, o queijo do reino das minas, e os costumes, as festas, como a Festa do Divino que lá ficaram, por exemplo em Diamantina, Lavras Novas, o queijo do reino fabricado em Juiz de Fora e Santos Dumont  faz a nossa festa de Natal. Então, esse intercâmbio de cultura, de conhecimentos, de saberes é que faz todos os lugares. É uma miscigenação de conhecimentos e Paraty é Cachaça, é Caminho do Ouro e é comida, da melhor qualidade, que o diga o camarão recheado, que é o melhor camarão, o camarão casadinho, tipicamente nosso; que o diga a caipirinha também, talvez inventada aqui segundo documentos. A cachaça Paraty.”

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