Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida
Os textos anteriores abordaram mudanças climáticas desde um passado distante, de centenas de milhões de anos atrás até dezembro de 2023. Agora a conversa volta para tempos atrás, discutindo como a humanidade conviveu com mudanças climáticas. E depois vamos pensar em possíveis futuros, sempre considerando questões bem conhecidas pela ciência.
– Como já visto, nos últimos 800.000 anos houve oito glaciações. Que foram muito intensas onde é a Europa. Como esses eventos teriam afetado os homens antigos?
– Já existia a nossa espécie a esse tempo?
– A nossa espécie, o Homo sapiens, surgiu no norte da África há uns 300.000 anos e por lá ficou até cerca de 50.000 anos, quando migrou em massa para a Europa e de lá para toda a Eurásia e depois América e Oceania. Quando migrou para a Europa e Oriente Médio o sapiens encontrou outras espécies muito próximas, sobretudo o Homo neanderthalensis, o famoso neandertal, que já viva por lá há 450.000 anos ou mais. Eram espécies tão próximas que houve cruzamento com descendência fértil entre essas espécies. Estudos genômicos mostram que há cerca de 2% de ancestralidade do Neandertal nas populações da Eurásia e na de seus descendentes, como os povos nativos das américas.
– Então somos um pouco neandertais?
– Sim. Todo mundo, os negros menos. O neandertal era europeu e o sapiens africano. Os neandertais, mais carnívoros que os sapiens, pelo que se sabe não se davam mal com o frio, mas acredita-se que se expandiram durante um longo e quente interglacial ao redor de 400.000 anos quando a caça era abundante. Viveram três glaciações antes de encontrarem com os sapiens, encontro ocorrido numa época bem fria. Os sapiens foram tomando toda a região da Europa, mas o clima seco e inóspito do norte da península ibérica entre 40.000 e 38.000 anos teria desanimado os sapiens e dado uma sobrevida aos neandertais no Sul daquela península, onde viveram até cerca de 37.000 anos (1). O clima mais quente e úmido há cerca de 38.000 anos foi fatal para esses nossos primos, que sobreviveram apenas indiretamente como híbridos com os sapiens.
– Então de alguma forma o clima acabou com os neandertais? Primeiro os protegeu dos sapiens e depois deixou de proteger…
– É isso, você resumiu bem. Então fica evidente que as variações climáticas afetaram as populações humanas na região. Mas então vamos um pouco à frente no tempo. Há 20.000 anos, como já vimos, o tempo começou a esquentar. Há 13.000 anos, no começo desse período que chamamos de ótimo climático, o que acontece?
– Bom, se é ótimo climático pode-se dizer que o clima passou a ser bom.
– Sim, bom para os humanos. Mudanças climáticas são crises para os seres vivos. Será que o fim do período glacial foi bom para os mamutes lanosos e tantos outros mamíferos peludos que viviam na Europa?
– Hahaha, para esses ficou ruim…
– Foi uma crise terrível para muitas espécies, mas para os humanos, que até então eram caçadores e coletores, ou seja, não plantavam e nem criavam animais, esse momento é muito importante.
– A humanidade começou a fazer plantações nessa época?
– Isso mesmo. Onde hoje é a Jordânia há 13.000 anos já se plantavam figueiras. E logo depois, onde é o Irã e a Turquia, começaram a plantar várias espécies de plantas. A criação de gado começou há 10.500 anos também no Oriente Médio.
– Ou seja, quando o clima melhorou a humanidade cresceu e desenvolveu novas técnicas para se alimentar.
– É, acho que é por aí. Não sei se foi ao contrário, se não cresceu depois de inventar a agricultura e a pecuária…
– Mas de qualquer forma teve a ver com o clima.
-Sim, sem dúvidas. Vamos então para tempos mais recentes. Um estudo publicado em janeiro de 2024 mostra que se pode associar os períodos frios entre os anos 160 e 180 dC (dC, depois de Cristo) e 245 a 275 dC e após 530 dC com doenças pandêmicas no Império Romano (2). Estresses climáticos têm efeitos sociais e biológicos! Parece óbvio o que esses dados demostram. Mas essa questão é ainda ausente ou relativamente ausente dos textos na imprensa. O que vamos viver com a bagunça climática que se instala?
– Certamente crises biológicas e sociais.
– Outro dia soube que em Buenos Aires começou a haver casos de dengue. Antes os argentinos precisavam ir ao Paraguai ou ao Brasil para serem infectados… Países com importante agricultura já fazem estudos considerando o aumento das temperaturas, como é o caso da Embrapa no Brasil e o INRA na França.
– Outro dia uma amiga me disse que nunca foi negacionista, mas que achava que era uma crise que os filhos ou mesmo netos iriam viver. E a crise climática já começa a se instalar, pelo que a gente conversou nas últimas semanas.
– Pois é. E nem bem começou. Bom, foi visto como a floresta amazônica corre perigo. Uma coisa interessante é que as regiões próximas aos trópicos de Câncer, ao Norte, e de Capricórnio, ao Sul, são áridas ou semi-áridas em todos os continentes, exceto na América do Sul. O mapa mundi (3) mostra bem isso…
– Os rios aéreos que vêm da Amazônia é que explicam isso?
– Sim. E se essa floresta maluca, que joga algo como 20 bilhões de litros d’água na atmosfera todo dia, desaparecer?
– Imagino que seria uma tragédia gigantesca. Que área é abastecida por esses rios aéreos?
-Ah, segundo o pesquisador Antônio Nobre é um polígono com Cuiabá ao Norte, São Paulo ao Leste, Buenos Aires ao Sul e a cordilheira dos Andes a Oeste. Todos sabemos que essa região produz uma quantidade de alimentos extraordinária. Se o clima piorar aí a humanidade passa fome!
– Como se explica essa divisão estranha, com florestas úmidas no Equador e áreas semiáridas ou áridas na região dos trópicos?
– Transcrevo um texto super didático do professor Antônio Nobre: “há maior incidência solar na zona equatorial e, portanto, ocorre ali, devido a efeitos físicos, uma maior ascensão de ar, que se resfria e faz chover, favorecendo florestas. O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar, deslocando-se em altitude nos dois hemisférios na direção dos subtrópicos. Esse ar seco, quando desce e se aquece, remove umidade da superfície, favorecendo desertos.”(4)
– E na América do Sul isso não ocorre por conta da Floresta Amazônica?
– Sim! Pesquisas no final da década de 1970 demonstraram que nem toda a água oceânica introduzida aereamente na Bacia Amazônica saía pelo rio Amazonas… Hoje, continua o professor Nobre, “constatou-se que a Amazônia é de fato a cabeceira dos mananciais aéreos da maior parte das chuvas na América do Sul.”
– Será que a Floresta Amazônica corre mesmo o risco de acabar, de se transformar em savana?
– Até pouco tempo atrás achava-se que durante o último glacial teria acontecido isso. Mas um trabalho publicado recentemente na Nature (*5 The resilience of Amazonian forests) afirma que as chuvas diminuíram drasticamente entre cerca de 24.000 a 18.000 anos atrás, mas a queda de 5oC na temperatura fez diminuir a evaporação, compensando parcialmente as menores chuvas. Mas o mesmo trabalho afirma que as florestas amazônicas não resistem às queimadas, como ocorre com o bioma Cerrado. E vimos durante anos na Amazônia brasileira imensas áreas queimando.
– E com as queimadas a resiliência das florestas da Amazônia acaba ou é ao menos minada? É, já sei… nem precisa responder.
(1) Modificado de Goñi, MFS. La Recherche 573, p 49 (2023)
(2) Zonneveld, KAF. Science Advances 10 (2024)
(3) Modificado de https://profwladimir.blogspot.com/2012/06/mapas-mundi-biomas-e-vegetacao.html
(4) Nobre, A. O Futuro Climático da Amazônia – Relatório de Avaliação Científica – São José dos Campos – SP Edição ARA, CCST-INPE e INPA (2014)