
Breve história do cordel
A Literatura de Cordel teve sua origem na Europa, no século XVI, com o Renascimento, quando popularizou a impressão dos relatos que eram feitos tradicionalmente pela oralidade dos trovadores. No século XVIII, os portugueses já apreciavam essa literatura, também chamada de “Literatura dos cegos” devido a uma lei criada em 1789 por Dom João V, que dava liberdade à Irmandade dos homens cegos de Lisboa, negociar essa espécie de Literatura.
No Brasil, essa literatura foi trazida pelos portugueses durante a colonização e pouco a pouco, ela foi tomando força e se instalando em nosso país. No início era de forma oral, depois foi sendo escrita em pequenos exemplares que eram expostos nas feiras, pendurados em cordões, daí ter recebido o nome de Literatura de cordel.
No começo, quase todos os poetas eram cantadores que faziam versos de improviso e viviam também viajando pelas fazendas, cidades e vilarejos. Os cordéis narram “causos” de amor e infortúnios entre outros temas abordados. Conta-se que no Brasil tenha iniciado com o cantador Silvio Pirauá, depois com a dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista. Porém, nem todos os cordelistas do início da Literatura de Cordel eram cantadores.
Esses personagens foram inspiração para Ariano Suassuna, João Cabral de Melo, José Lins do Rego e Guimarães Rosa. Na região Nordeste, essa Literatura é muito forte e tem grandes nomes que fazem a alegria do povo com suas obras de grande beleza.
São vendidos também nas feiras em malas, lonas estendidas ou mesmo pendurados em cordões, como já foi mencionado. A cultura popular, o folclore, as crenças, tudo é um tema propício para o poeta fazer um verso e o cantador cantar uma moda.
A literatura de Cordel, dá sua grande contribuição à cultura popular e ao folclore brasileiro, sendo considerado Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2018.
Estrutura Técnica do Cordel
Segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, o folheto tradicional segue
algumas normas:
• Formato: Folhetos de 8, 16, 32, 48 ou 64 páginas, geralmente 11 × 15 cm.
• Versificação: Uso de redondilha maior (7 sílabas poéticas).
• Principais estrofes: Sextilha (6 versos), Septilha (7 versos), Oitava (8 versos) e
Décima (10 versos).
• Rimas comuns: ABCBDB na sextilha, ABBAACCDDC na décima (martelo
agalopado).
• Ritmo: Leve, declamável e musical, podendo ser cantado em feiras, praças e
saraus.
Métrica e Musicalidade
A métrica é o coração do cordel. A redondilha maior, com sete sílabas poéticas, oferece
balanço e cadência. A contagem é feita até a última sílaba tônica de cada verso,
buscando ritmo constante. Exemplo:
“Na fei|ra do | meu sertão” (7 sílabas poéticas)
Modelos de Estrofes Tradicionais
Sextilha (6 versos, rima ABCBDB):
Eu canto com alegria,
A vida do meu lugar,
O povo que trabalha,
E vive de semear,
Guardando a fé na enxada,
E o sonho no olhar.
Décima (10 versos, martelo agalopado – rima ABBAACCDDC):
Canto a voz da natureza,
Do rio, da serra, do mar,
Do povo a se levantar
Na luta, na singeleza.
É cultura, é fortaleza,
É verso, é chão, é raiz,
É Paraty, que me diz,
Que arte é pão e memória,
E o cordel faz sua história,
No coração do país.
Zé Limeira e o Cordel do Absurdo
Zé Limeira, o “Poeta do Absurdo”, rompeu convenções e abriu novas sendas para a
poesia popular. Suas métricas eram livres, mas seu ritmo e imaginação o mantinham
dentro da alma do cordel. Exemplo adaptado de seu estilo:
Eu vi Dom Pedro montado
Num jegue de prata e luz,
Falando com Lampião,
Nas nuvens de Santa Cruz.
Era verso ou profecia,
Que o mundo inteiro traduz.
Conclusão
A Oficina do Cordel em Paraty propõe unir tradição e criatividade, honrando a métrica, a
rima e o ritmo consagrados pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sem
perder o espírito livre do poeta popular. Que cada leitor encontre aqui inspiração para
compor seus próprios versos e continuar a corrente da poesia popular brasileira.
“Cordel é canto do povo, memória que nunca morre.
🪶 O PAVÃO MISTERIOSO
Autor: José Camelo de Melo Rezende (c. 1923)
Na cidade de uma Grécia,
Havia uma princesa linda,
Que de todas as donzelas
Era a mais bela e mais linda.
Seu nome era Cremilda,
Filha do rei Formosindo,
De formosura infinda.
O rei Formosindo tinha
Uma filha encantadora,
Que era da Grécia inteira
A mais bela e sedutora;
Mas o rei, de tão ciumento,
Não deixava casamento
Nem falava em namoradora.
Mandou fazer uma torre
De prata e de pedraria,
Onde só entrava a moça
Com a criada Maria;
Lá dentro vivia presa,
Sem ver sol, sem ver beleza,
Sem gozar do claro dia.
No sertão de uma província
Do Brasil, no Ceará,
Morava um rapaz formoso,
Evangelista é que há;
Inteligente e valente,
De coração inocente,
De alma pura e singular.
Um dia um retrato veio
Da princesa Cremilda,
E o moço, ao ver a imagem,
Ficou de paixão perdida;
Dizia: — “Ai! Que donzela!
Dava a vida por vê-la,
Por beijar sua mão florida.”
Tinha um irmão João Batista,
De muito saber profundo;
Evangelista lhe disse:
— “Quero ir a outro mundo;
Quero ver essa princesa
Que me causou tal tristeza,
A mais linda deste mundo.”
Então o irmão responde:
— “Se é por causa desse amor,
Vamos ver se Deus ajuda
A realizar seu ardor;
Façamos uma invenção,
De engenho e precisão,
Que chegue até o condor.”
E fizeram um pavão
De ouro, ferro e madeira,
Com asas bem ajustadas,
E uma força verdadeira;
Voava como um balão,
Com motor e direção,
Obra santa e derradeira.
Quando a máquina voou,
Parecia um animal,
Com bico, olhos e penas,
Feito com arte sem igual;
O povo todo acudiu,
E João Batista sorriu:
— “Meu irmão, és genial!”
Evangelista montou
Na ave feita à mão,
Subiu pelos ares puros
Em divina ascensão;
Foi à Turquia em segredo,
Com coragem, sem medo,
Guiando o pavão.
Chegou sobre a torre alta,
Onde a princesa dormia,
E pela janela aberta
Entrou com galhardia;
A moça, vendo o pavão,
Fez logo o sinal da cruz,
E chorou de alegria.
— “Não temas, linda Cremilda,
Que sou homem de bondade,
Vim do sertão brasileiro,
Guiado pela verdade;
Trago-te amor sincero,
E um coração inteiro,
Cheio de felicidade.”
A princesa então sorriu,
E aceitou o coração,
Subiu nas asas do engenho,
Fugiu na direção;
O rei, quando amanheceu,
E a filha não mais se viu,
Chorou com emoção.
O pavão cruzou o mar,
Voando noite e dia,
E em terras brasileiras
Trouxe a doce alegria;
O povo ficou pasmado,
Vendo o amor consagrado,
Numa ave que reluzia.
Assim termina o romance,
De engenho e de devoção,
Onde o amor verdadeiro
Venceu a separação;
E o pavão misterioso
Tornou-se símbolo glorioso
Do sonho e da invenção.
📜 FIM
José Camelo de Melo Rezende (c. 1923)
Obra-prima do cordel brasileiro.