Carlos Fernando S. Andrade – 4_Dez/2023
Trinta anos atras eu morava em Campinas, SP e lembro de certos números. Naquele ano de 1993 morreram 353 pessoas em acidentes de trânsito na cidade (de 850 mil habitantes), número triste e fácil de lembrar pois dá praticamente uma morte por dia. Um número subestimado, pois consideravam apenas mortos no local do acidente. E mais de uma metade disso (~175 pessoas) morriam depois nos hospitais, somando então cerca de 530 vítimas no ano. Metade dos acidentes em cruzamentos com semáforo! Chocante! Lembro que as coisas mudaram bem com uma nova Secretaria Municipal de Transportes e dez anos depois, foram apenas 94 mortes na cidade, contando-se também as que ocorreram depois nos hospitais. Muito bom, mas ainda muito ruim, pois na região metropolitana de Montreal (Canadá), com mais que o triplo de gente (3 milhões de habitantes), nesse mesmo ano foram apenas 2 mortes no trânsito da cidade!
Em epidemiologia costuma-se usar ‘número de casos’ por 10.000 habitantes [1]. Lá em Campinas em 1993, isso dava algo como 6,2 vítimas fatais/10.000, o que era menos, no entanto próximo, de Recife (8,3) e Belo Horizonte (8,1). E pelo menos 3 vezes menor do que em Fortaleza (18,9) ou Salvador (18,1). Muito chocante! Tóquio tinha algo como 1,1/10.000 nesse início dos anos ‘90.
Falava-se pouco ainda em IA, conceito cunhado em 1955 pelo prof. de matemática John McCarthy, do Dartmouth College na cidade de Hanover, no estado de New Hampshire, EUA. Meus alunos das áreas tecnológicas da UNICAMP (engenharias mecânica, elétrica, computação e mecatrônica) apostavam que no futuro haveria uma automação geral no trânsito e Campinas ou Montreal não teriam nenhuma vítima em acidentes nas suas ruas e avenidas.
Bem, passados 30 anos e tendo bem disponíveis hoje veículos com software FSD (Full Self Driving) volto a avaliar aquelas previsões, e ainda fermento a dúvida do que é melhor no trânsito: gente controlando gente, máquina controlando gente ou gente controlando máquina. Ou máquina controlando tudo?
Pelo menos 3 empresas hoje disputam carros autônomos. Os carros elétricos da Tesla usam sensores de câmeras, enquanto a Cruise (General Motors) e a Waymo (Google/ Alphabet) dependem de uma série de diferentes tipos de sensores, principalmente LIDAR, abreviação de “Light Detection and Ranging”, que usam pulsos de laser para mapear o ambiente com uma fidelidade impressionante, embora a um custo muito mais alto.
Em junho desse ano (2023) uma investigação nos EUA mostrou que os carros da Tesla foram responsáveis por pelo menos 11 acidentes fatais em menos de um ano – quase o dobro do número ocorrido nos três anos anteriores somados. Ainda em junho e usando dados da Administração Nacional de Segurança de Tráfego Rodoviário (NHTSA) e das montadoras, o jornal The Washington Post publicou que desde 2019 ocorreram 17 mortes atribuídas a carros Tesla que utilizavam tecnologia de condução semiautônoma. São poucas vítimas, é certo. E deve ser resultado do tal ‘avanço tecnológico’ que como dissemos aqui, é inevitável! Aviões são assim, os taxis de São Francisco são assim, os drones de passageiros serão assim, as bicicletas e motos já não sei.
Lembrei desse assunto porque acordei com a notícia no New York Times de que a Tesla está fazendo recall em 2 milhões de veículos para ajustar o software de piloto automático[2] após uma investigação de dois anos pelos reguladores de segurança sobre cerca de 1.000 acidentes em que o recurso foi envolvido.
Isso significa quase todos os carros que a empresa fabricou nos Estados Unidos desde 2012, incluindo o seu mais popular, o utilitário esportivo Modelo Y (Fig.).
O jornal informa que a Tesla é responsável por cerca de metade dos automóveis elétricos de passageiros vendidos nos Estados Unidos (o resto é General Motors, Hyundai, Ford e outros). E diz ainda que “as recentes declarações públicas de Elon Musk, presidente-executivo da Tesla, foram amplamente interpretadas como antissemitas e ofenderam alguns clientes”. Não teriam sido antissionistas?!. O recall representa mais um abalo na imagem da empresa. Foram vários outros recalls. Esse ano mesmo 362.000 carros nos EUA, 1,1 milhão de carros na China, 52.000 carros em 2022 também nos EUA, sempre em nome da segurança. Sim, eles vão melhorar, é inevitável, certo?
Elon Musk tem mesmo a língua afiada. No livro Vida 3.0 o autor Max Tegmark (Fig.) narra que Elon Musk tuitou em 2014 “Vale a pena ler Superinteligência, de Nick Bostrom. Precisamos ser supercuidadosos com a IA. Potencialmente mais perigosa do que as armas nucleares” e Elon Musk ainda disse literalmente em um simpósio sobre exploração espacial no MIT naquele ano “com inteligência artificial, estamos convocando o demônio”. Tegmark estava lá no simpósio e explica que a mídia toda tirou essa frase de contexto demonizando a referência que Elon Musk fez sobre o demônio. Assim, Tegmark decidiu banir jornalistas da reunião que estava organizando sobre a IA benéfica em janeiro de 2015 em Porto Rico. E terminou recebendo US$10 milhões de Elon Musk para o projeto da IA benéfica do Instituto Futuro da Vida (FLI) que criou. É por ser declaradamente obcecado sobre o passado e o futuro da IA que Tegmark conta literalmente que chorou ‘pelo sentimento de inevitabilidade, de que um futuro perturbador pode estar chegando, e não há nada que possamos fazer sobre isso’. Mas ele fez! Criou com sua mulher Meia e mais três pesquisadores o FLI em 2014[3]. Em julho de 2021, a FLI anunciou um novo programa de subsídios de US$ 25 milhões com financiamento do programador russo-canadense Vitalik Buterin. O Instituto atua em 3 frentes que ameaçam a vida: A Inteligência artificial – De algoritmos de recomendação a chatbots e carros autônomos; a Biotecnologia – Da libertação acidental de agentes patogênicos geneticamente modificados até a experiência de edição de genes, e as Armas Nucleares – Quase oitenta anos após a sua introdução, os riscos são tão elevados como sempre, com impactos ainda piores do que se pensava anteriormente. De minha parte, como Biólogo, vejo nessa empreitada o clássico antropocentrismo e melhor seria chamá-los Instituto Futuro da Vida Humana (HFLI), mas isso fica para outras reflexões.
[1] Fonte: Denatran. Acidentes de trânsito no Brasil (1995) para cidades brasileiras e CET, acidentes de trânsito (1992) para cidades de outros países.
** As opiniões nos artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião do jornal.
Ótima história, bela reflexão.
Ótimo texto! E além do prof. Fernando hoje o Francisco, o papa, também manifestou suas preocupações a respeito dessa IA que também me assusta,