Carlos Fernando S. Andrade – 17_Dez/2023
Quem anda hoje em dia se informando mais sobre a IA pode se perguntar, por que tanta atenção a essa coisa da IA e jogos? Xadrez?, por exemplo, ou Go, inventado na China há mais de 4.500 anos. A resposta é que os jogos oferecem formas de medidas mais claras do desempenho humano versus o desempenho da IA. Opa! Isso é importante.
Eu tinha acho que 10 ou 12 anos quando aprendi com meu pai e meu tio a jogar o jogo das três porrinhas. Ou ‘palitinho’, como era conhecido também. Achei bárbaro. ‘No final do século XIX, os salões de sinuca e botequins com gente jogando porrinha eram espaços de ação dos grandes malandros do Rio de Janeiro’ (RioMemórias.com.br). O jogo era usado no fim da noite para decidir quem iria pagar a conta do bar ou da padaria. Quem ganhasse não pagava o café, ou dependendo da hora, não pagava a cerveja, o almoço ou o jantar (segundo o site). Aprendi também com meu pai e meu tio, que carioca não era assim tão malandro não. Era apenas fama. E pude confirmar isso quando aos 18 anos fui para Ituiutaba no interior de Minas Gerais e aprendi a versão do jogo de palitinho chamada por lá de ‘marreco’. Ah… isso sim era jogo de malandro.
Hoje eu vejo que porrinha é apenas sorte, pois se quatro ‘malandros’ estão jogando, cada um esconde de 0 a 3 palitos na mão, cada um dá seu palpite e quem acertar a soma ganha. Simples assim. Já no marreco, que sabemos que aqui ou em Maringá é gíria para trouxa, bobão ou ‘Indivíduo desprovido de inteligência e que não faz nada certo’[1], a coisa é diferente. Quatro malandros jogando usam apenas 3 palitos. Um deles esconde na mão e são apenas 4 as possibilidades de escolha (0, 1, 2 ou 3). Assim, ganha quem errar a quantidade de palitos escondida e perde quem acertar, levando ainda a letra ‘M’ em um papelzinho no balcão. Perdendo, depois vem o ‘A’, depois os ‘R’, o ‘E’, o ‘C’ e finalmente o ‘O’… até formar MARRECO e pagar a rodada. Imagina 8 pós adolescentes jogando isso no bar (com 7 palitos, certo?). Dois jovens vindos da capital de São Paulo (eu e o Dudu) e o resto do interior de Minas Gerais. Não tem nada de sorte! Porque quem está com os palitos na mão é que comanda, perguntando na roda em sentido horário quantos palitos cada um acha que ele não tem na mão. E nessa interação ele te oferece trocar de palpite, diz que aquele palpite já foi dado (e não foi!), etc., e o resto da roda toda interage e tenta influenciar na tua escolha infeliz, são todos contra um (ou duas vítimas), que a roda quer fazer de marreco e pagar a conta. Malandro carioca? Não, eu conheci de perto o malandro mineiro!
É claro que não tem jogo de marreco no computador. Aliás, o Buscador Google que é certamente a IA mais potente de uso geral e aberto que temos hoje, quase de graça, não sabe do que se trata. Fui lá e tem assim: “jogo de palitinho ‘porrinha’”; 1.320 resultados (0,31 segundos) // “jogo de palitinho ‘marreco”; 10 resultados (0,33 segundos), mas remetem ao ‘Pega Varetas’. Já a busca “Jogo de xadrez no computador” deu 1.680.000 resultados (0,27 segundos). Então, se você for desafiar uma IA, vai de marreco e evite o xadrez!
Encontro no livro de Nick Bostrom (2014)[2] que o programa de jogar damas de Arthur Samuel, na versão de 1955 já incorporou o aprendizado de máquina e tornou-se o primeiro programa a aprender a jogar melhor um jogo do que o seu criador.
Em 1979 o programa de gamão BKG, de Hans Berliner, foi o primeiro programa de computador a derrotar um campeão mundial em qualquer jogo. E em 1997 o programa Deep Blue da IBM venceu o campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov. Ok, o Deep Blue não sabia na verdade jogar, ele consultou um monstruoso banco de dados de partidas para fazer seus movimentos. Mas hoje os programas sabem! Eles aprendem a jogar!
Bostrom escreveu em 2014 que programas jogadores de Go têm sido aperfeiçoados numa taxa de um dan por ano nos últimos anos. Se essa média de aperfeiçoamento continuar, ele estimou que poderiam vencer o campeão mundial humano em cerca de uma década (em 2024). Errou feio, pois isso aconteceu apenas 2 anos depois! No Vida 3.0 Tegmark escreve que “Em 2016 o programa AlphaGo ganhou os 3 jogos do sul-coreano Lee Sedol, 18 vezes campeão mundial. No ano seguinte, ganhou de todos os 20 melhores do mundo, sem perder uma única partida. O Go usa um tabuleiro de 19×19 casas com pedras pretas e brancas, com mais possibilidades de posicionamento do que o número de átomos no universo. Analisar todas as sequencias interessantes de movimentos futuros é inútil. Jogadores dependem de intuição subconsciente”.
Vejo que esse suéco Bostrom, professor de Filosofia na Universidade de Oxford, fundador e diretor do HFI (Instituto para o Futuro da Humanidade), andava tão aflito com a IA quanto o físico também suéco Max Tegmark do Vida 3.0. Bostrom escreveu que: “E, assim como o destino dos gorilas depende hoje mais dos humanos que dos próprios gorilas, também o destino de nossa espécie dependeria das ações da superinteligência de máquina”. E ainda: “Neste livro, procuro entender o desafio que surge com a perspectiva da superinteligência e de que maneiras poderíamos melhor responder a ele. Esse é, muito provavelmente, o desafio mais importante e mais assustador que a humanidade já encarou. E, independentemente do nosso sucesso ou fracasso, promete ser o último desafio que encararemos’ (meu negrito).
Por falar em gorilas, fico aqui pensando se eles jogam algum tipo de marreco ou coisa assim. São muito inteligentes e malandros, e depois de ler alguns livros do primatólogo e etólogo holandes Frans De Waal, eu aposto que sim. Em 2022 Waal escreveu o livro ““Somos Inteligentes o Bastante para Saber Quão Inteligentes São os Animais?”[3]
Nipo-estadunidense malandro – Em 2008 teve um show de xadrez entre Hiraku Nakamura (mãe americana e pai japonês) versus Rybka, o principal programa de xadrez de computador da época [4]. Nakamura estava com 20 anos de idade, e aos 15 anos tinha se consagrado um prodígio, se tornando o estadunidense mais jovem a receber o título de Grande Mestre. Jogou com as pedras pretas e ganhou do Rybka na malandragem! Era um jogo com relógio e cada lado só tinha 3 minutos para fazer seus lances ou perder. Ele ia perder, mas congestionou o tabuleiro e começou a fazer lances repetitivos e sem sentido tão rápido quanto era capaz de bater no relógio. Quando a IA já estava esgotando seu tempo e começou a jogar aleatoriamente para não perder pelo relógio, Nakamura finalmente abriu uma brecha para ganhar o jogo.
Os primatas tipo os gorilas, chimpanzés, bonobos, orangotangos, humanos mineiros ou cariocas costumam ser malandros além de inteligentes. A I.A. será também malandra, além de inteligente? Assunto para outras reflexões.
[2]Nick Bostrom, 2015. “SUPERINTELIGÊNCIA- Caminhos perigosos e estratégias para um novo mundo”. (Primeira publicação: 3 de julho de 2014), 426pp. DarkSide® Entretenimento LTDA. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2018.
[3]456 pp. Editora: Zahar, São Paulo, Brasil. Google Livros (com algumas páginas omitidas). LINK
[4] Youtube: The Legendary 270_ Move Game! Rybka vs Nakamura _ Game Analysis
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