Mudanças climáticas – O “tempo” e o nível do mar

Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida

Em diálogos imaginários são discutidas as mudanças climáticas que a humanidade está vivendo. Nesta primeira parte é discutida a questão das escalas do tempo, essencial para entender intensas mudanças climáticas que ocorreram em nosso planeta. E também se discute uma consequência de mudanças climáticas muito sensível aos paratienses: a variação do nível do mar.

Muitas vezes quando conhecidos descobrem que sou geólogo me perguntam:

-E aí, como geólogo, o que você nos diz sobre o aquecimento global? Está aquecendo mesmo? Um amigo disse que um geólogo falou que estamos num período quente. E que vai esfriar com certeza!

– Pois é cara, o colega falou a verdade, estamos num momento entre duas glaciações. Que chamamos de interglacial.

– Então essa história de aquecimento global é tudo bobagem?

– Não é não. Depende da escala de tempo.

– Péra lá, o tempo é medido em horas, minutos, segundos… você está falando em outra escala?

– É uma escala de referência. Veja, uma mosca vive 15 dias. Para ela cada dia é um tempão, é 1/15 avos de sua vida. Já uma tartaruga marinha vive 150 anos ou 54.750 dias. Para ela o tempo de um dia é algo muito irrisório, tão rápido. Os 1/15 avos para a calma tartaruga equivalem a exatos dez anos!

– É, acho que começo a entender o conceito.

– Vamos ampliar a ideia. Rapaz, pense no seu entorno e me diga uma coisa que é estável, imutável.

– Bom… o nível do mar! Descontando as marés, logicamente. Nos morros tem erosão, mas o mar está sempre ali.

– E o lance do aquecimento global?

Pois é, com todo esse carnaval do aquecimento global, do derreter de geleiras e tal, o meu avô me mostrou outro dia uma marca que ele fez numa pedra, numa daquelas marés especialmente altas, quando ele era adolescente. Ele me falou que fazia quase 70 anos que tinha riscado a pedra com uma faca numa bruta maré cheia e mar calmo, sem marolas. Então fomos juntos ver onde estava batendo o mar numa maré rara de tão alta em Paraty, uma maré de 1,5. E sabe, estava batendo mais ou menos na mesma marca!

– Então, nestes 70 anos o mar esteve mais ou menos no mesmo lugar. Variou um pouco, é coisa difícil de medir. Ao longo do século XX o mar subiu uns 1,2 mm por ano. Assim em 70 anos deve ter subido uns 8 cm.

– Ah, acho difícil pensar em perceber variações assim… e sempre tem marolas que confundem a gente. E ainda tem o lance do vento, se chega uma frente fria dá uma aumentada na maré alta. Então esses menos que 10 cm é como se não existisse nada.

É verdade, mas está subindo mais rápido agora, por volta de 3 mm por ano. Se o nível do mar já estivesse subindo assim quando seu avô era criança ia dar para perceber… Mas vamos pensar: na escala de vida da gente o mar muda pouco ou nada. E ao longo do último milhão de anos?

– Ah, milhão de anos… nem consigo imaginar esse tempo.

– E nem é tanto, a Terra tem 4,7 bilhões de anos… E se a gente vai falar de um processo planetário não dá para pensar num tempo natural a nós, tipo dezenas de anos. Mas eu falei em um milhão de anos porque nesse período sabe-se que a Terra passou por várias glaciações…. Há dados muito bons sobre o clima nos últimos 800.000 anos. A cada 100.000 anos teve uma glaciação e entre as glaciações teve o que se chama de interglacial. Estamos num interglacial.

– E em cada glaciação o gelo ocupa os continentes e o mar desce.

– É isso mesmo, mas não é que o gelo ocupou tudo, apenas ocupa mais área que nos interglaciais. E nas regiões que já tem gelo a espessura das camadas de gelo aumenta muito. Então vamos pensar: na escala da vida de seu avô, que já está velho, o mar mudou muito pouco, quase nada. E se formos ao período em que a temperatura estava no mínimo, 20 mil anos atrás? Será que a mudança foi sensível?

– Ah, deve ter sido! Sei lá, uns quinze, vinte metros?

– Errou bem, o mar desceu cerca de 125 metros em relação ao nível atual! Há uns 60.000 anos atrás o nível do mar começou a baixar e atingiu o mínimo há 25.000 anos. E há 20.000 anos começou a subir rapidamente. Então durante 5.000 anos Paraty ficava longe do mar… Quando a gente passa a olhar a natureza em dezenas de milhares de anos o nível do mar é algo muito mutável, que sobe e desce um monte e rápido!

– Puxa! Onde estava a praia? Muito prá lá do parcel dos Meros?

– Bem prá lá… dezenas de quilômetros depois: a linha que marca 25 metros de profundidade passa pelo parcel! A de 50 metros passa uns 10 km depois da ilha Grande… A praia estava a várias dezenas de quilômetros de Paraty.

– Cacete! E aí de repente começou a esquentar, derreter o gelo e ficou assim no nível normal?

– Dois pequenos equívocos: o nível do mar que a gente olha hoje não é o normal. É só o que está agora… Antes da última glaciação o mar há 123.000 anos esteve em torno de dez metros mais alto que agora. E no começo de nosso interglacial, 5.000 anos atrás, subiu perto de três metros e depois baixou. Essas subidas do mar se chamam em geologia de transgressão marinha.

– Acho que agora é que estou entendendo mais esse conceito de escalas de tempo… O que é sólido e imutável é assim para um observador de vida curta. Se o observador vivesse não durante 70 anos, mas durante 700.000 anos ele poderia dizer que o nível do mar é coisa muito incerta, que fica num vai e vem o tempo todo!

– Perfeito! Agora que ficou claro que na escala de tempo do planeta o clima pode mudar muito vamos falar dos climas do passado. Os cientistas falam que para imaginarmos o que vai acontecer com as mudanças climáticas é importante entender o que aconteceu com o clima no passado.

– Mas, voltando à minha primeira pergunta, afinal ainda demora para esfriar?

– Difícil afirmar, mas o último interglacial durou 28.000 anos e o interglacial atual começou há 12.000 anos. Então pode-se supor que, sem interferência humana, vai durar mais 16.000 anos. Então é uma bobagem a gente se tranquilizar com a chegada da próxima glaciação… Viu por que é importante a gente conhecer o passado?

Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida
Mestre em Sensoriamento Remoto no INPE, Doutor em Ciências (Geologia) na USP, Pós- doutorado na Universidade Paul Sabatier (França). Professor associado aposentado na USP.

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